quarta-feira, outubro 23, 2013

Orquídeas (editado)

Jonathan Charles
Abriu os olhos vagarosamente.
Levantou os lençóis - um sopro quase glacial ouriçou os pelos do seu corpo. As pernas demoraram alguns instantes para manterem-se firmes no chão - cambalearam, como seus pensamentos nos últimos meses. Caminhou de pés descalços em direção ao banheiro, nua mesmo, como deitou. Não se importaria com as janelas das outras peças da casa abertas, não fosse pela luminosidade que tomava conta de tudo e a cegava. As mãos tateavam as paredes, as portas. A maçaneta. Girou. [...] Olhou-se no espelho - sim, ela ainda era real, ela ainda estava ali. Ela, suas carnes, seus músculos e todos os seus pensamentos não tinham adormecido, mesmo com as diversas noites de sono, que perduravam estimuladas pelo uso sucessivo e abundante de drogas.
Ela fugia constante e diariamente, mesmo sem sair do lugar, e na sua incompetência em cumprir a tarefa, quanto mais corria, mais próxima de si ficava.
Ainda mirava-se no espelho. Durante alguns pouquíssimos segundos de sanidade lembrou-se da frase lida em um livro: Copulations and mirrors are abominable.
Sim, pensou, são de fato detestáveis e execráveis: multiplicavam o homem, o humano - sua imagem e suas formas, com tudo que vemos e o pior, com tudo que não vemos. Multiplicava, e multiplicava... em uma progressão aritmética sem fim.
E ela não queria mais a sua imagem refletida - a beleza pode ser 
cruel com seu hospedeiro, como em uma relação parasital, na qual o desenvolvimento deste chupim tende a produzir uma adaptação confortável do albergueiro ao patógeno.
Sentiu que como se tivesse uma peste, a patogenia deste parasita apossada de seu corpo e sua mente, coordenando seus movimentos, seduzindo e inebriando os alheios. Percorreu os dedos pela pia gélida e lisa. Sem olhar para baixo enfiou os dedos na gaveta com cuidado até sentir o aço frio. A outra mão deslizou pelos cabelos loiros ainda ondulados, amassados pelos dias sufocados no travesseiro. Lentamente começou a poda – como se estivesse se despindo para um amante observador: devagar, apreciando cada sensação, cada som, cada piscada. As mechas resvalavam pelo seu corpo, num toque tão sutil e excitante, que fazia com que ela não percebesse a fotografia que se formava à sua frente. Então sentiu como se decepasse as cobras da cabeça da medusa e com elas tudo o que a atormentava – aquela perfeita moldura de rosto sendo desfeita, o belo ostensivo se espalhando pelo chão, como detrito, entulho, junto com os sonhos, com a dor e com tanto pranto derramado. Seu corpo e sua vitalidade secaram com as lágrimas que se foram ralo abaixo. Os ossos saltavam sobre a carne, como a verdade quando descoberta.
E aqueles olhos permaneceram ali; aquelas duas pedras verdes reluzentes ainda a fitavam, como quem indaga e julga; como quem condena e executa. Arrastou a tesoura pelo pescoço e, juntando a pouca força física que ainda restava depois de dias em jejum, afastou a mão o mais longe que pôde do seu corpo e cravou o insensível e metal no peito.
E antes de cerrar as pálpebras ainda sentiu a resistência das suas cartilagens costais na inútil tentativa de expulsar o intruso: a dor finita.


sexta-feira, setembro 27, 2013

Quinto elemento


Na semântica daqueles quatro olhos que se fitavam cobertos por cento e cinquenta e nove longos e loiros fios de cabelo; a presença do intruso.
Em meio às quarenta e oito gotas de suor que escorriam por dezenas de curvas e algumas cavidades.
Entre pares de pernas, por duas línguas.
Por vinte dedos - por aquelas duas mãos entrelaçadas, pelos dois milhões e seiscentos mil poros encostados, quase à vácuo.
Por duzentos e doze músculos movimentados frenética e compassadamente...
Pela pressão arterial oscilante - cento e oitenta, por cento e dez mmHg. Pelos outro cento e noventa e sete batimentos cardíacos.
Por um.
Por mim.
Pelo simples prazer da dor renovada.
Pelo que não cabe, pelo que não se mede, pelo que não combina; pelo errado, pelo avesso. Pelo oposto.
Por uma penetração.
Pelo epicentro.
Um quinto olho se fez presente.
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Som ambiente: Upside Down
Gorjeta:
"Os dois corpos unidos se comunicavam aos sussurros, com pequenas frases de amor. Se acariciavam, se desejavam com cada pedacinho dos sentidos. Depois, quando esfriava a sensualidade, dava pena sentir tanto amor. A sutileza do amor é um luxo. Desfrutá-lo é um excesso impróprio dos estóicos" (Pedro Juan Gutiérrez)

segunda-feira, setembro 23, 2013

Apêndice

Rina H
Que morra a fúria do ímpeto adolescente que permeia os pensamentos do homem? Que morra a força do desejo de fechar os olhos e seguir apenas tateando, com a desculpa de não ter visto? Que morra o incontrolável, o inexplicável o indomável ser que lhe espreme os músculos hioideos – não para que asfixie, mas simplesmente para que reaja?”

Bato os pés – “vamos, abra os olhos”! Sinto a tontura se apossando do meu corpo, o suor escorrendo pelas têmporas bem devagar, quase cócegas.
Preceitos me aprisionam em um corpo que não me representa e atitudes que me amortecem.
Acordo; olho em volta.
Tento ver o que toco, ainda com certa vertigem, causa da rápida e leve falta de oxigênio. Tateio o piso, balanço a cabeça, ergo um pouco o corpo e vejo; envolta em lençóis brancos, a carne tesa se movimenta vagarosamente, enquanto admiro atônito, a paisagem quase fotográfica. Por uma das frestas da janela, o raio do primeiro sol da manhã invade a cama e, muito lentamente passa pelos cabelos espalhados pelo travesseiro, pairando sobre o rosto, como se bailasse delicadamente por ela chamando-a para o despertar. Num espreguiçar demorado e convidativo parte do espesso tecido que lhe cobre escorrega revelando um dourado dorso nu e uma fina pelagem que parece se ouriçar com meu olhar. Uma das pernas está levemente dobrada, com partes cobertas e descobertas – cena que parece estar meticulosamente montada para esboçar aquela imagem que me arrasta e me atrai. Vejo-me ajoelhado aos pés da cama, com o pulso acelerado, a boca seca, as pupilas dilatadas e as mãos abertas apoiadas sobre os lençóis, como em posição de ataque. Por mais que a lógica e a coerência me puxem pelos ombros, a força é inútil perante o estado hipnótico que me encontro.
Minha mão percorre quase sem encostar uma das suas pernas enquanto o tecido que a cobria revela o todo das partes que formam aquele emaranhado  de carne, pelos e ossos que me deleito em investigar. Inclinando meu corpo sobre ela, cerro os olhos e pairo sobre aquela pele quente que exala seu cheiro de fêmea, com o leve e sofisticado toque de “Eau Tendre” que entorpece meus sentidos.
Delicadamente me aproximo mais, deixando com que a ponta do meu nariz deslize pelo corpo macio, enquanto a resistência da penugem das suas costas me acaricia.
O leve sorriso no canto da sua boca... 
Essa menina safada me convida prá brincar de um jeito que meus livros não explicam. Minha experiência desconhece sua falta de regras e ignora os pré-conceitos - vejo meu medo pequeninho deixado na soleira da porta, ali, solitário, me encarando como que em abandono.
Olho para aquele corpo me chamando. Atordoado, penso.
Olho para trás e vejo meu mundo – eu vejo o que sou e tento me desencaixar daquele cenário, que dubiamente me acomodo de forma tão perfeita. Tento me descolar daqueles poros que me sugam e me prendem a vácuo, em vão. Minha (in)consciência me move sempre e cada vez mais na sua direção.
Pois que morra em mim esse medo do descontrole; que morra em mim o que é velho, àspero, medido e metódico para dar espaço ao menino imprudente e desavergonhado que posso ser nessa mulher!
Quando hesito, vejo as duas esmeraldas brilharem em meio aos raios de sol, me penetrando como se lessem meus mais obscuros pensamentos – sem desviar o olhar ela se vira envolvendo suas pernas com força em torno da minha cintura, levanta bruscamente apoiada em meus braços, se enrosca absoluta e totalmente no meu corpo e segura meu rosto com uma mão – sentindo a resistência dos mamilos rijos em meu peito e o calor do seu colo a me queimar ela pergunta: “O que vc tem a perder?”
Perco a fala, perco a respiração e perco o pudor me encaixando impiedosamente.

O mergulho é profundo e definitivamente inócuo para este homem que submerge: que morra em mim o ancião confrangido e amofinado, apêndice de mim.

Na vitrola: Jethro Tull - Aqualung

segunda-feira, agosto 12, 2013

Cobertura de Bolo

Photo by Steve Harrison

Naquela noite ela decidiu que os escudos e pré conceitos ficariam do lado de fora. Como paciente ela se tornou absolutamente impaciente perante inúmeros fragmentos que sobrevoavam seus pensamentos dia após dia, noite após noite - partes do imenso quebra-cabeça que existe dentro dela sendo atiradas na sua direção sem que ela fizesse qualquer movimento para tocá-las. Apenas observava, pensava – não agia, só reagia timidamente, ao mesmo tempo em que tentava encontrar motivos para não entrar naquele que antes considerava um perigoso jogo.O silêncio era absoluto, visto que todas as palavras já haviam sido ditas. Toda formalidade já havia sido exposta. Tudo o que era passível de ser medido e julgado já havia sido ponderado exaustivamente.Mas uma vez jogadora sempre jogadora. Impossível fechar os olhos, tampar os ouvidos, cerrar as narinas e negar a boca seca e os poros úmidos para tudo o que ela sentia na frente daquele homem. Porque sim, antes de tudo foi o homem que ela viu na sua frente. E assim, mesmo sem querer ele a convidou para jogar.Quando chegou aos últimos degraus da escada, em cima dos sapatos pretos de longo salto que deixavam suas pernas mais torneadas e seu bumbum mais empinado – e que neste dia usou com um único propósito - levantou o olhar despretensiosamente, ainda com a cabeça meio abaixada, lançando o brilho das duas esmeraldas rodeadas pelo leve esfumaçado negro em direção a ele; arqueou uma de suas sobrancelhas e passou a mão pelo cabelo, tentando forjar uma suave timidez. Ele a aguardava na porta, como sempre, mas neste dia ao ver um raio de sol refletir os fios loiros e aqueles olhos felinos sentiu um inexplicável gostoso desconforto. Em pé com uma das mãos apoiada na maçaneta ele exibia, além dos profundos e envolventes azuis que a fitavam, um sorriso sutilmente sedutor que fazia com que ela lembrasse do sangue que corre nas veias daquele homem que vive além da seriedade dos  encontros profissionais que já tiveram. Ele admirava detalhadamente cada um dos seus últimos passos antes de cruzar a porta, como se avaliasse cada centímetro do que olhava, tentando não ver. O delicado chamois do vestido encosta no corpo dele ao mesmo tempo em que sua mão sobe pelo braço e descansa no seu ombro, então ela desliza o rosto suavemente e culmina o cumprimento com um beijo na face, recebendo outro. Este deveria ser apenas o costumeiro cumprimento dos dois (agora) amigos. Mas ela passou por aquela porta despida de qualquer preceito, cerimônia ou proteção.No desenlace, por alguns segundos, apenas cerca de dois centímetros separam seus olhos, que se fitam e se leem – é como se os dois estivessem dialogando sem mexer os lábios. Ele podia sentir o calor que passava pelo tecido da roupa dela e o esquentava por inteiro. Ela tinha as faces levemente rosadas e assim, tão de perto, pôde perceber suas pupilas brilhantes e dilatadas mergulhando dentro dos seus. Ela também estava com a respiração ofegante e ao inspirar ele sentia os seios rijos pressionarem seu peito e alguns ossos da pelve encostarem-se levemente aos seus. Eles estavam absolutamente abraçados de corpo inteiro; colados um ao outro. Ele percebeu que já a conhecia tanto, mas que sabia tão pouco da mulher que era... E naquele segundo de lamento também decidiu não entregar mais segundos ao lamento.Enquanto os dois se abraçavam, ele sentia como se matasse a saudade de algo que nunca teve. Era uma estranha sensação de querer parar o tempo para apreciar cada sentimento, cada percepção, cada emoção delicadamente. Pela primeira vez, sem as luvas e as formalidades ele percorreu com as pontas dos dedos aquela pele macia, sorrindo ao se deparar com a resistência da penugem dourada que encontrou em suas coxas – era como se ao se tocarem se reconhecessem e confirmassem sentimentos sufocados por muito tempo. Segurou-a pela cintura com firmeza, beijou lentamente o delgado e perfumado pescoço e ela, como uma gata retribuiu se enroscando nele e beijando seus lábios enquanto se esgueirava vagarosamente até alcançar a mesa, onde se apoiou.Era tudo muito diferente para ela. Toda aquela voracidade e avidez cederam espaço para movimentos lentos e graduais. Olhos, mãos, cheiro... É como quando vamos comer algo e deixamos a parte que gostamos mais para o final – porque o que comemos primeiro mata a fome; o que deixamos por último degustamos devagar, apreciando a satisfação do desejo.As peças se encaixavam em tudo (ou em quase tudo). Passaram meses, negando o que os corpos gritavam em suas mentes. E depois? Depois é um tempo que ainda não aconteceu e só será escrito através das experiências e escolhas. Então se olharam novamente e decidiram ser felizes agora.

terça-feira, junho 11, 2013

Aquarela

PHOTOGRAPHY SEBASTIAN FAENA
Fiquei parada na frente da porta por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Tempo suficiente para sentir as gotas da chuva que caía do lado de fora escorrerem dos meus cabelos pelo meu rosto, pela minha roupa. Olhando para baixo percebi que os pingos que eu via cair dos meus cílios, aos poucos, pintavam o chão – o rímel verde se misturava com a maquiagem, formando uma aquarela sem nexo naquele piso cor de mármore.
Eu seria capaz de contar cada pequena rusga da madeira à minha frente, em compasso com as batidas do coração que eu sentia subir à garganta. E enquanto distraía meu racional nesse jogo sistemático, juntava forças físicas para atender aos apelos do meu corpo e da minha alma e tocar a campainha.
Olhos fechados. Dlin-dlon.
Sinto como se meu corpo paralisasse. Não estou
respirando. Não ouço nada além do alto som das batidas frenéticas do meu coração que parece estar na minha cabeça, bombeado o sangue que corre absolutamente fervente nas minhas veias. Já não sei se as gotas que escorrem por entre os meus seios ou pelas minhas costas são da chuva ou do suor, e sinto-as descendo suavemente como um acalanto para o desassossego da espera.
Naqueles incontáveis - de tão ínfimos - segundos de abrir a porta e enxergar quem estava do lado de fora entendi a sutil diferença entre ver e olhar. Porque você me viu.
Mas quando você me olhou... Ah, então eu soube exatamente porque contra todas as ordens racionais do meu cérebro, meu corpo e minha alma estavam ali.
Foi como se todo o azul dos seus olhos pudessem me invadir, cada fresta, cada canto, todos os lugares escuros, escondidos, esquecidos.  Mesmo sem nenhum código ou conduta pré-definidos, nenhuma palavra era pronunciada e mesmo assim tudo era dito. Com um sorriso ousado e convidativo, você se aproxima devagar e passa uma das mãos pela minha testa, afastando os fios molhados do cabelo que cobriam levemente meus olhos. Sinto o calor da sua respiração ofegante, enquanto seu polegar segue as linhas do meu rosto, como se me desenhasse e a cada traço me revelasse, até encontrar os meus lábios que reverenciam seu toque rude e voraz.
Seu nariz vai navegando por entre meus cabelos encharcados, minha pele, meu pescoço e enquanto sua barba roça em mim me contraio e te abraço, numa antítese cíclica viciante.
Então se afastando levemente, suas mãos úmidas e quentes escorregam deliciosamente, em sincronia, desde o primeiro botão aberto do Sobretudo, passando do colo aos ombros e revelando o tudo que ele nada cobre.
A aquarela borrada na soleira da porta conta as rusgas da madeira à sua frente.

segunda-feira, maio 27, 2013

Náufrago

Victor Bauer
Os 33 graus daquela tarde quente e cinza de março pareciam pesar mais a volta para casa no trânsito caótico da cidade de pedra.
Já em casa, esquecendo a longa semana, abro minha cerveja ao som de “It's A Man's, Man's, Man's World” e vou até a varanda na busca do ar fresco do 23º andar.
Seal embala meus pensamentos e vou olhando a paisagem, as janelas, os prédios vizinhos. Uma luz que se acende chama minha atenção e a vejo entrar – sorridente, parecendo cantar. O bom humor e a beleza me atraem. Pasta e bolsa sobre a mesa, sacolas ao chão. Cabelos ao alto, que num enrolar fantástico de dedos, sem auxílio de qualquer objeto, fica sensualmente preso com leves fios soltos nas laterais.
Impetuosamente abre os botões da camisa, a puxa para fora da saia justa, que molda seu traseiro redondo e cobre as roliças coxas, deixando com que eu veja seu colo delicado e seus fartos seios abraçados pela lingerie branca, tocados por uma fina corrente dourada que beija suavemente sua pele levemente bronzeada e úmida. Quase concomitantemente, como em um uma dança, nos quais os movimentos precisam estar sincronizados para que tenham um efeito hipnótico, ela sutilmente desce dos saltos altíssimos e estica os dois braços para cima balançando a cintura e os quadris, hora para um lado, ora para outro, deliciosamente.
Meu coração acelera e meu rosto enrubesce.  A cerveja já não dá conta de refrescar minha garganta seca. Não pisco os olhos; acompanho cada movimento do apartamento à frente com a ansiedade dos 42 minutos do segundo tempo da final da Libertadores, quando vejo meu time no ataque e precisando de apenas um gol para finalmente soltar o grito de campeão.
Ela vira de costas para a imensa porta de vidro da sala, que com todas as cortinas abertas me coloca em posição de expectador privilegiado da obra de arte de que se forma em cada movimento daquele corpo. As mãos, um pouco desordenadas abrem o zíper prateado da saia ao mesmo tempo em que ela empina o bumbum e a empurra até os pés, com resistência pela pele úmida de suor - safada. A calcinha escorrega um pouco acompanhando a saia e me permite enxergar um pedaço de uma pequena tatuagem ainda indecifrável que molda a entrada das nádegas luxuriosas e convidativas.
Enquanto caminha e alisa o rosto demonstrando agonia pelo calor, para em frente à geladeira e a abre. Quando se vira entro em apneia. Por um instante tenho a sensação de que me vê. Seal já se calou por aqui, a luzes difusas da minha sala e as cortinas fechadas não permitiram com que ela me percebesse na varanda, onde estou, mas...
Ela se move, caminha em minha direção, já sem camisa, com uma long neck na mão que vai à boca sem o menor pudor, como se fosse água para um sequioso. Meus lábios entreabertos secam, minha mente voa. Minha língua os percorre a mucosa árida como se buscasse um gole do que vê – um porre daquela boca, daquela língua.
Ela para em frente à porta que dá na varanda, em minha direção e alonga o corpo colocando as mãos uma de cada lado do vidro. A cabeça se abaixa, as costas se inclinam; sorrateiramente ela arqueia uma de suas sobrancelhas e estende aquelas duas esmeraldas travessas até o outro lado da rua. Tenho certeza que me vê, mas não mexo um músculo e devolvo o olhar lascivo e provocativo. Sinto o suor escorrer pela minha fronte, ao mesmo tempo em que meu coração chega até a minha garganta. Ela sorri linda e despudoradamente, enquanto coloca a garrafa que segurava sobre a mesa lateral, passa a mão úmida sobre seus flancos e abre as portas rapidamente, fazendo com que o vento que sopra em seu rosto desprenda seus cabelos e “This is a man's world, but it wouldn't be nothing, nothing without, a woman or a girl” ecoe daquele apartamento até os meus ouvidos.
Pisco meus olhos vagarosamente ao escutar seu mergulho e ao abri-los vejo-a emergindo rapidamente da piscina, sublime, como uma sereia de pernas.
Vendo as gotas que escorrem pelo corpo nu ouriçado pelo choque da água gelada e o vento noturno soprando nos pelos dourados, naufrago.

quinta-feira, abril 18, 2013

segunda-feira, outubro 08, 2012

Dama putana

Lennart Goldmann
Você tem medo de mim? Então entra. Vem me conhecer melhor. Olha debaixo dessa saia a menina safada que se esconde por trás do monte de panos em tons pastéis.Costura meus retalhos que eu me monto pra você poder desmontar essa mocinha comportada que mora do lado de fora do vestido.Me descobre e me cobre de vc.Usa teu medo pra me vasculhar bem devagarinho. Seja mansinho ao entrar, mas uma vez lá dentro, bagunça de vez. Me desalinha, te desordena; perde a compostura e te desfaz dessa roupa ajustada prá se enroscar nesse emaranhado de panos e costuras tortas esfarrapadas que gosto de ser só pra você.Me percorre, te escorre por entre as frestas estreitas desse corpo delgado que se contorce e se distorce prá você. Me põe do avesso, me vira, me desvira e me pira – me estira.Me entorta pro lado, me vira de quatro. Me emborca, me dá voltas.Solta meu penteado, me escabela. Enfia o nariz nos meus nós - me cheira, me despenteia. Me sacode prá ver se escorre. Lambe, prova. Me prova, me desaprova – comprova!Levanta a barra da minha saia e joga pra cima. Me esconde pra poder me ver melhor. Me deixa sacudir os ombros e balançar a bundinha pra vc. Te entorpece, te esgota desse desejo e se lança. Contorna minha pélvis com teus dedos curtos e ásperos. Esfrega tua barba por fazer nas minhas costas, mas se eu gemer... Não para: aumenta a intensidade. Olha aqui embaixo: é... sou eu: sua sem-vergonha de lingerie rendada, perna roliça e peitilhos arrebitados te convidando prá entrar. Não bate na porta! Tua língua é a chave que me tira desse mundinho medíocre que precisamos fingir que gostamos.Me bate, me arrebate - com vontade e carinho prá poder assoprar depois esse bumbunzinho rosado e quente que é só teu.Morde minha calcinha e desliza devagar pelas minhas retas e curvas, assim meu cheiro fica impregnado nas tuas narinas enquanto escorregas em mim.
Me cheira, me coça, me roça. Passa teus pelos na minha pele lisa e sente a resistência dos meus poros. Quando eu fechar os olhos esfrega com força, rosna. Me molha, me desola: me consola. Me dá, mas tira. Me deixa te pedir, me faz querer mais - cada gota de água no deserto é um balde para o tamanho da minha sede de você.

quarta-feira, setembro 12, 2012

Puzzle

Marcello Romeiro
O sol atravessa os pequenos orifícios da janela te convidando para o bailar dos raios que dançam lentamente nas paredes do quarto e refletem desenhos incompreensíveis.
Você dorme... Há tempo demais você dorme.
Como uma princesa – certinha e inócua.
Me acostumei com você assim, quietinha, sonolenta, domada: incompleta.
Eu busquei por isso – eu me desenhei para você, e nesse rascunho de mim você só cabia a traços, sem arte-final. Eu me moldei para me encaixar nos seus espaços em branco e assim ficamos: duas peças inacabadas que unidas pareciam formar uma só.
Apenas julgávamos se complementar, mas na verdade eram dois pedaços espremidos e adaptados à forma onde deveriam caber.
Doloridos, sufocados, encaixados a fórceps e quase sem ar – pseudomortos.
Hoje você vai acordar. Hoje você vai explodir e transpassar todas essas paredes que te apertam. Vai inspirar e sentir seu peito se inflando como quando submergimos de longa apneia, retomando bruscamente a comunicação do ar com os pulmões.
Seu croqui desbotou, seu esboço ficou ultrapassado.
Seu modelo correto pode ser elegante, mas não te cai bem depois que você desce do salto – te despe desse modelito démodé e fica nua prá mim.
Abandona a princesinha com seu vestidinho engomado na soleira da entrada.
Então, depois que você estiver assim, bem à vontade, esparramada, soltinha, vou me virar prá esse teu lado quentinho e me encaixar em cada um desses ossinhos: eu vou sentir cada um deles – me ajustar a cada curva, cada reta, cada espaço. Espremer minha pele contra a tua e grudar meus poros à vácuo nos teus para que você não se contorça tentando se esgueirar.
Enquanto uma das minhas mãos segurar teus dois punhos a outra contornará tua cintura, na procura pelo calor úmido do teu interior.
Com meu nariz submerso nos teus cabelos vou te inspirar como se fosse meu último minuto de vida, até que o cheiro suave e fresco da princesinha abra espaço para esse teu odor de mulher libertina que ficará impregnado em mim.
E assim, com você nos meus dedos, que vou moldar minha dentição nesse seu pescoço estrênuo – e você vai acordar sentindo a dor da minha presença, do jeitinho que eu sei que a danadinha gosta.
Com meus toques impróprios você vai abrir lentamente os olhos, desviando da luminosidade escassa, mas incômoda. Quando eu enxergar essas duas jades se esgueirando da claridade, e tua sobrancelha se arqueando com aquele sorriso maroto no canto da boca é que vou ter certeza do seu verdadeiro despertar.
Livrando-se das minhas mãos e envergando-se como uma gata, bem devagar, te verei levantando-se como se preparasse para um ataque - percebo seus dourados pelos se ouriçando. Mas você me espiará por entre as pálpebras levemente entre abertas, e em movimentos muito melindrosos e friamente calculados para me fascinar ficará de joelhos e sentará sobre seus calcanhares friccionando as nádegas redondas com as pernas entreabertas na minha direção.
Mesmo com a visão turva, o suor escorrendo pelo meu pescoço e uma leve dormência nos dedos meu corpo vai te dar a resposta para o convite que vejo no fim da linha dos abaulados joelhos.
Vou te sorver com a velocidade e eficácia que a areia do deserto sugaria o pingo d’água. Vou te engolir inteira depois de te hipnotizar, como a cobra devora suas presas. Vou te tragar como o condenado absorve, na profunda sucção, a nicotina do último cigarro.
Nessas tuas retas é que encaixo minhas curvas, e onde não caibo, invado, sem me espremer e sem te deformar porque é desse desconexo, incoerente encontro de peças é que nos completaremos. Nas nossas imperfeições é que nos encontraremos – no que não devemos é que despertamos nossos mais verdadeiros instintos e desejos, no que escondemos entre as frestas dos encaixes falhos é que dividimos nossa libertinagem e volúpia. Por entre as curvas dos teus seios o gozo que precede a quietude.

domingo, setembro 02, 2012

Fotografia

By: Terry Grant
Uma gota de vinho pinga no seu colo: o suficiente para atiçar seus sentidos. O pingo escorre por entre os poros, transborda no tecido da camisa cor de rosa antigo.
A música a envolve - ela levanta-se suavemente da poltrona, arranhando delicadamente as unhas pelo veludo, como se tentasse penetrá-lo - como se fosse pele.
Olhar fixo; o leve fechar das pálpebras, mesmo com as pupilas estáticas parece me convidar. As mãos que se apoiavam vigorosamente saltam dos braços aveludados da poltrona e deslizam por entre suas coxas quentes, sobem pelo ventre, sentindo a breve resistência da penugem macia. Ela segura o cálice de vinho com uma mão enquanto a outra continua percorrendo o caminho do seu corpo – me olha pela transparência do copo, me sinto invadido. Fita-me fixamente, indiscretamente, descaradamente como se eu pudesse senti-la se umidificando, como se eu pudesse sentir, daquela distância, seu odor de fêmea do cio.
A borda do cálice encosta no pescoço e enquanto ela se estica como uma gata mirando minha reação com os cantos dos olhos ela entorna-o. Vagarosamente sua roupa se cobre de vermelho, deixando seus seios rijos, como se quisessem transpor a fina camada do linho.
As pernas curtas e bem torneadas exploram a lateral da poltrona, onde ela apoia um dos seus pés - sedoso e perfeitamente branco. À meia-luz - com a luz ideal percebo todos os seus pequenos detalhes... O vinho segue escorregando pela alva pele enquanto as mãos vão acompanhando esse caminho e espalhando a concupiscência pelo seu corpo, que vejo arder. A boca entre aberta mostra os dentes de mesmo escarlate das unhas e dos pés, e liberta o ar, a respiração ofegante e um breve sussurro. Matizes verdes saltam dos olhos úmidos enquanto as narinas movem-se em descompasso.
Poros contraídos, pupilas dilatadas, lábios molhados, pelos ouriçados e, embalada pelo som que ecoa das caixas acústicas vejo aquele corpo se movendo sensual e vagarosamente. Seus quadris a dançar suavemente me hipnotizam. As falanges movem-se, impelidas pelo próprio peso, com leveza, pela superfície lisa e desnuda, como se a tocassem pela primeira vez. Desvendam toda malícia escondida pela falsa inocência.
A mão no botão, a calça no chão - o sexo desnudo.
O cálice na horizontal, a blusa verticalmente arrancada, a pele esticada pelos braços ao alto e os seios enrijecidos pelo toque do frio e rubro vinho.
Todos os espaços do seu corpo invadidos, todos os fluídos corpóreos em ebulição.
A lente da câmera, o êxtase, a fotografia.

segunda-feira, agosto 20, 2012

Shower


Acordou com um raio de sol sobre seu olho, que ultrapassou os limites da janela, penetrando por uma das suas frestas. Era um dia aparentemente como todos os outros. Aparentemente.
Apesar de sentir seu corpo pedindo para que permanecesse na cama, no calor das suas cobertas, ainda sentindo o cheiro do perfume impregnado nos lençóis, colocou seu braço para fora e empurrou-as no ímpeto de ficar de pé. Tonteou.
Estava nua, e o ar gelado do inverno do sul penetrou em cada um dos seus poros fazendo com que, por alguns segundos ela se arrependesse amargamente por ter levantado.
Por alguns segundos.

Olhou para a cama vazia, para os lençóis desalinhados e continuou a caminhar - voltar era demonstrar fraqueza e fraca ela não era. Cada passo adiante era mais do que um passo à frente, era uma pequena conquista.
Ligou o chuveiro. Esperando a água esquentar viu no vapor que subia ao teto e escapava pela janela mais reflexos de sol, que misturados com as gotas d'água formavam um pequeno arco-íris, desenhado sobre o ventre descoberto e teso.
Entrou nele. Aquele líquido quente escorrendo pela sua pele, já fria pelo tempo de espera, parecia iniciar um processo de descongelamento e limpeza. Seus músculos relaxaram, seus olhos se fecharam e, como que em transe ela deslizou o sabonete pelo corpo, apreciando cada uma de suas curvas bem devagar. Nesse momento esquecera das particularidades físicas que a desagradavam, simplesmente apreciou a sensação daquele objeto macio que percorria cada uma das dobras, das retas, das suas pequenas cavernas.
Os dedos tocavam a pele, mas eram em sua alma que de fato penetravam - invadiam todas as lembranças, todos os sentimentos, toda sua nudez. Um sussurro e um breve gemido comprovam a cumplicidade e a sintonia: o casamento perfeito do palpável, do real e do imaginário. As faces rosadas e o sorriso no rosto formavam o retrato mais perfeito desse nirvana - a extinção temporária do sofrimento.
O toque do telefone a tirou do transe.
Chuveiro desligado.
Mesmo com a toalha enrolada no corpo ainda sentia as gotas d'água escorrerando vagarosamente e ficando frias a cada milímetro de pele que desciam. A sensação desse estado de glória ainda estava presente em cada um dos seus músculos; nos seus olhos que brilhavam e nas faces quentes e ruborizadas.
Contrariando todos os seus desejos, vestiu-se.
Precisava guardar por mais algumas horas todo o desejo revelado.

segunda-feira, agosto 13, 2012

Montevideo (homenagem)

Prefácio
Escrevi esse texto em novembro de 2004.
Os acontecimentos de hoje o trouxera à tona, junto com esse sorriso que ficou estampado no meu rosto.

Com todas as honras - e com todos erros e acertos - mereceu ser republicado:uma homenagem (que de nada tem de póstuma!)
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Ela acordou, mas manteve os olhos fechados. Permaneceu ali, naquela mesma posição, assimilando o aroma do ambiente e começando a sentir novamente partes do seu corpo ainda adormecidas. Deslizou as mãos pelo lençol, levemente - aqueles não eram os seus lençóis. Seu corpo inicia o processo de despertar - ela volta a sentir suas pernas e seus braços, ainda doloridos; ao movimentar sutilmente as costas experimenta uma mistura de dor e prazer, uma sensação de que todo aquele aparente desconforto físico tinha um motivo especialmente peculiar. Uma sensação de felicidade começa a tomar conta dos seus pensamentos e eles, aos poucos, começam a se juntar na sua memória, como um quebra-cabeça: só as peças reunidas de forma correta nos revelam a imagem perfeita.
Ao fundo ouvia o som dos carros, misturado com uma música que tocava num volume baixo e penetrava nos seus ouvidos com uma delicadeza inigualável - ela não reconhecia a música, nem o idioma, mas aquele som lhe fazia bem e parecia apressar e montagem daquele quebra-cabeça. Ainda não era o momento de abrir os olhos, não sem antes perceber e capturar toda energia que ela recebia através dos três sentidos despertados. Faltam dois e a visão seria o último. Ela os alimentava sensual e vagarosamente.
Na boca ainda o gosto do vinho - era tinto, suave. O leve odor de cigarro nos cabelos a fez juntar mais algumas peças... Sentiu novamente o suor 
escorrendo pelo seu corpo, deslizando suavemente enquanto sua respiração começava a ficar ofegante.
O momento chegara: abriu os olhos. Aquela meia-luz, as roupas espalhadas pelo chão, a garrafa de vinho vazia... todas as peças se encaixavam perfeitamente, como na noite anterior. Olhou para o lado e o quadro se pintou de forma perfeita: os raios de luz que passavam pelas frestas da janela 
iluminaram o único corpo que podia estar ao seu lado naquele momento. Aqueles olhos azuis ainda a fitavam com o mesmo desejo. O sorriso sedutor dela foi como resposta para o olhar.
Hora de desmontar o quebra-cabeça e 
começar de novo - ainda é cedo.


quarta-feira, agosto 08, 2012

Incompleto

Kenvin Pinardy
O copo de vodca estava sobre a mesa. Enquanto o gelo derretia tornando cada vez mais suave o gosto do álcool eu via aquele corpo estirado no chão da minha sala. A luz alaranjada que penetrava pela janela, transpondo a "semi-transparência" da cortina branca, deixava a fotografia com a luminosidade perfeita – difusa sobre a pele fosca e bronzeada. Assim, apertando um pouco meus olhos para driblar a sutil miopia, era possível ver cada pelo, cada poro, cada pequena cicatriz ou sinal.
Todos os sinais de nós.
Olhei através do copo, como se as gotas que escorriam pela borda percorressem as curvas do ser que estava aos meus pés – só assim ele ficava aos meus pés. Meus dedos escorregavam suavemente em torno da pedra de gelo, mas ela parecia fugir do meu toque; nós duas, barradas pelo limite do vidro circular.
Meu reflexo no espelho; a nudez sobre a cadeira revela também um rosto rosado. Me vejo te olhando, não me reconheço.
Para onde foram as lágrimas, que deram espaço para essa cara marota, pretenciosa, sem-vergonha e audaciosa?
Teu transe passa a me incomodar, inquietar. Tua inércia me instiga. Essa menina quer fazer arte, te importunar, atiçar, provocar.
Com um leve esforço, as pontas dos meus dedos dos pés te encostam, quase sem querer tocar. Te vejo arrepiar e esse teu corpo, antes imóvel se mexe vagarosamente arrastando a carne quente, tesa e úmida em minha direção, enquanto teus dedos envolvem meus delgados tornozelos.
Visão sublime dos teus cabelos entre os meus joelhos.(…)

quinta-feira, agosto 02, 2012

Cama de Gato

Capa do álbum "Suede - Dog Man Star"
Deitada, abro os olhos vagarosamente. Mal consigo enxergar – preciso de alguns segundos para ajustar o foco. Estou nua. Percorro a linha meus seus braços até a extremidade e consigo ver meus pulsos amarrados. As finas meias de nylon brancas que antes contornavam minhas pernas agora são as algemas que me mantêm presa à cama, uma em cada punho, firmemente atadas. Levanto levemente o pescoço, minhas costas doem; olho ao redor: minhas roupas espalhadas pelo tapete; o cinzeiro que ainda sustenta um cigarro aceso; as duas taças de vinho caídas e as três garrafas vazias. Nada faz sentido. Nenhum som, não fosse o roçar do ventilador de teto, que gira vagarosamente, sem produzir quase nenhuma aragem. Sinto o suor escorrendo por entre os meus seios. A luz é pouca – resume-se ao tom alaranjado de pôr-do-sol que entra pela janela entreaberta e aos poucos vai sumindo. Poderia gritar, mas algo não me permite. O medo se confunde com a sensação de fazer parte disso, de ter pedido para estar aqui, dessa forma, tão desprotegida, tão entregue. O barulho das chaves me tira do transe. É quando ele entra. A mistura dos últimos reflexos do sol com os pontos escuros não permitem com que eu veja seu rosto, apenas contornos. Ele se aproxima, passa a mão pelos meus cabelos e, cuidadosamente cobre meus olhos – continuo sem pronunciar uma palavra. Com as pontas dos dedos ele me explora – meus lábios, minha língua. Lambo-os como se não quisesse que saíssem dali. Os dedos úmidos pela saliva descem pelo meu pescoço, mamilos, ventre... E cessam, como se me punissem, como se me atiçassem. Ele sabe me provocar.
Meu corpo se contorce, peço mais. Preciso de mais. Agito os braços, agora sim, na tentativa de soltar as amarras que me impedem de segurá-lo – presa domada (?). Ele segura meus joelhos, percorre minhas coxas e agarra minhas nádegas com força, enquanto a língua desliza por entre as minhas pernas. Não consigo gritar, mas meu corpo responde a todas as perguntas. Amarrada, domada, não posso segurar suas mãos, guiar seus movimentos, tocar ou morder sua pele... Eu me agito ainda mais, enquanto a respiração descompassada acelera meus batimentos cardíacos.
Num instante, um vazio: ele se afasta bruscamente – ainda sentindo ondas de prazer gemo, pedindo mais, até que ele me preenche completamente, mais e cada vez mais. Meus pés tocam seu pescoço, seu rosto: roçam na barba, e enquanto ele os beija, segura meu quadril, controlando meus movimentos, cada vez mais ferozes, mais frequentes, mais profundos, até que ouço seu gemido – forte e alto. É quando ele atira seu corpo sobre o meu. Seu peso me conforta. Ainda dentro de mim, sinto-o por completo – o cheiro, o gosto do suor, o calor da pele... Meus cabelos
 molhados enroscados no seu pescoço só evidenciam o que sempre soubemos – quem está amarrada não seria a predadora?

terça-feira, julho 03, 2012

Entre línguas

Pascal Renoux
Um ar gélido invade sua espinha dorsal, subindo até a ponta, até o pescoço e fazendo com que ela desperte. Os poros se contraem, os pelos eriçados revelam seus sentidos.
A sensação de vazio e desproteção, mesmo em uma cama quente e em meio a tantos lençóis - que se misturam desordenadamente com pernas e braços - não a impedem de senti-lo, de farejar seu odor. E ela espreita.
Sente a mão tocar sua coxa, apalpar suas nádegas, deslizar pelos quadris, contornar a cintura, subir pelos ombros e enredarem-se bruscamente nos longos fios de cabelo espalhados pelo travesseiro branco. Uma segunda mão agarra seu maxilar com austeridade impedindo-a de fugir das mordidas ferozes. Mordidas úmidas, pelos ombros, pescoço - a língua escorregadia percorre e delimita o caminho da próxima dentada - passa pelas maçãs do rosto, rosadas, quentes... Incorrem pelos lábios penetrando-a. Duas línguas.
Seus mamilos se enrijecem. As mãos que antes seguravam bruscamente seu maxilar tomam certa delicadeza e agarram-nos, pelas pontas - sentem a textura, impedindo que se amoleçam novamente. Sob movimentos desordenados, cuidadosos, mas constantes - sob doses homeopáticas de prazer os dedos os mantêm no mesmo estado rijo, quente.
Na falta das lágrimas o suor os une. O calor faz com que as gotas evaporem dos corpos e inundem o ambiente com um aroma da mistura de peles, de desejos, de fluídos.
As pernas amolecem - ela já não domina seu corpo. As pupilas dilatadas não a deixam enxergar - ela já não precisa.
Ele conhecia seu orgasmo, invadia sem cerimonia - ela não usava roupas, não se cobria com lençóis, nem com sua vergonha.
No interior um do outro, as mentiras estavam cobertas - de costas ele não poderia ver o sorriso, a testosterona no canto da sua boca.
Invasão desmedida, imperfeições na soleira da porta.
O ar gélido se instala no seu estômago enquanto todo o calor do corpo se transfere para a ponta dos dedos dos pés e sobe compulsivamente por entre suas pernas até que...
Num último suspiro o corpo arrepia, estremece e relaxa.
Os compassos ofegantes da respiração agora são sua única companhia.
Lençóis sobre os corpos.
IML na portaria.



terça-feira, junho 26, 2012

Janela


Simone Attisani
A porta se fechou. Por alguns instantes um fio de luz, por mais alguns um escuro que fez com que eu sentisse meu coração na garganta. A luz se fez presente... Meia-luz. Era o abajur coberto por um fino tecido estampado com motivos orientais - combinava com tudo o que se sabia dela.
Desci os olhos pelas pernas. A ponta do sapato encostou no calcanhar fazendo com que deslizasse - um passo à frente e ela estava dez centímetros mais baixa, na estatura ideal. Os dedinhos ainda cobertos pela delicada meia de naylon deslizaram pelo outro sapato arrancando-o. O segundo passo a deixou ainda mais fêmea, ainda mais perfeita.
Estes centímetros que a mantinham sobre os homens, acima de nós, permaneceram ali, largados no tapete branco e felpudo do chão da sala.
A bolsa de couro preta fora a atirada no sofá, juntamente com os livros e os óculos - a máscara caía. A dura máscara sobre a qual ela se escondia durante o dia se desmanchava sob os meus olhos.
Seu movimento por vezes desfocava a imagem, mas pude perceber o cenário à sua frente. Só eu tinha a visão privilegiada daquele ambiente mundano, que não combinava com seus hábitos literários, com os livros expostos na estante de mogno. Seus braços mexiam-se vagarosamente - imagino que desaboatoava a camisa de cetim que delineava suas curvas. Ela deslizou pelos seus ombros, pelas suas costas, que desnudas deixavam à mostra a cintura e cada pequeno osso, cada pequeno músculo responsável por aquela pintura.
As mãos ainda percorreram os cabelos... Finos e sedosos, encarcerados por um prendedor: agora estavam livres (como ela). Os sacudiu de leve, balançou o pescoço e se esticou, braços ao alto, como uma gata. Ainda pude perceber um dos traços da tatuagem negra, antes escondida pelos fios.
O zíper se abre, a saia desliza e vejo o que nenhuma das pessoas com as quais ela passa o dia pode ver; as finas meias de naylon que vão até metade das voluptosas coxas se ligam apenas por um fio à lingerie - pequena e sexy. Ninguém sabe o que a pesada saia até o joelho esconde durante todo aquele tempo. Nenhum dos homens com quem permanece horas discutindo valores, idéias, ou metas, nem mesmo os que dividem minutos a sós em frente a máquina de café poderiam sequer imaginar a mulher que se esconde por trás dos tecidos, das lentes, do escudo.
Enquanto ela entorna vagarosamente a garrafa de vinho tinto, preenchendo o cálice com o mais rubro dos líquidos posso perceber seus seios, seu sutiã, de mesma cor e sensualidade das meias ou da cinta-liga. Eles encobrem a pele macia, encobrem de uma forma misteriosa e excitante o que espero ter em minhas mãos. Mirando-os assim quase os sinto.
Ela balança lentamente os quadris - não ouço, mas acredito ter uma música a embalando - e meus olhos vidrados acompanham seus movimentos, me hipotizando. Minha respiração está ofegante - as mãos estão frias, mas suam.... Um deslize e...
A lente bate no parapeito...
Ela caminha na minha direção. As cortinas cerram-se.
O espetáculo chega ao fim.
Só por hoje - porque ela sabe que eu estarei aqui; ela gosta disso e por isso amanhã voltará.